terça-feira, outubro 20

Avenida

A última vez que me peguei triste, passeava pela avenida sem rumo. Havia olhares cínicos, bêbados, sedução... e eu ria.
Achava que era imune aos olhos críticos das pessoas que sem escrúpulos me julgavam. Todos tolos, não sabiam que eu gosto de beijos e flores.
Mulheres contando mentira, belas mulheres... Estas me enlouqueciam subitamente. Eram só de mentirinha, mentirinhas.
Por alguns centavos ouvia músicas agradáveis e por outros aguçava minha visão com qualquer dose no subterrâneo da avenida, e a coisa começou a girar até a hora que um senhor gentil me dizia: "Beba logo que estamos na hora de fechar". Os românticos reunidos ali murmuravam um esboço de descontentamento, mas ainda assim em silêncio.
"Aos amores, dedico venda nos olhos e canções tiradas de um sonho." Era o que se repetia em minha mente.
O amor não pode ser tão doce assim, tanto que ao fim se igualava com doses exageradas de algo alucinógeno. Isto me leva pra casa rapidamente, deixando os olhares, a música, a avenida.
Desligo as luzes e me fecho neste mundo e penso: "Nunca vou mudar". É aqui que me sinto bem, é na minha limitação que invento minha distração. E no escuro e falando de amor docemente que sinto meus pés no chão, daí posso caminhar.
Eu me casei, e em seguida me separei... Foi por poucos e maravilhosos meses. Agora acabo de comprar uma máquina de lavar e uma cafeteira. Me embriago desde então em casa, todas as noites. Sopro a vela e me refugio diariamente em minha escuridão e não há nada que você possa me dizer para mudar isto, já que minha sina é esta, esta é minha revolução.
Vou me refugiar neste casulo confeitando minhas asas, pois só assim voltarei a voar por ai, é só uma fase.
O que me prende ao mundo é a necessidade de reencontrar a minha felicidade, esta que troquei forçadamente por eletrodomésticos desnecessários.
No meu vôo purificado, te reencontrarei e cantarei todas as canções de amor que te fiz em minha reclusão. E que os túmulos jamais selem esse amor.